sexta-feira, 30 de julho de 2010
"Toda minha evolução conduzira lentamente a uma espécie de não-precisar-de-ninguém. Até então aceitara todas as ausências e dizia muitas vezes para os outros que me sentia um pouco como um álbum de retratos. Carregava centenas de fotografias amarelecidas em páginas que folheava detidamente durante a insônia e dentro dos ônibus olhando pelas janelas e nos elevadores de edifícios altos e em todos os lugares onde de repente ficava sozinho comigo mesmo. Virava as páginas lentamente, há muito tempo antes."
Seu maior medo era o destemor que sentia. Íntegro, sem mágoas nem carências ou expectativas. Inteiro, sem memórias nem fantasias. Mesmo o não-medo sequer sentia, pois não-dar-certo era o natural das coisas serem, imodificáveis, irredutíveis a qualquer tipo de esforço. Criatura da terra, seu temor era quem sabe perder o apoio dos pés. E criatura do fogo, A Grande Falta crepitava em chamas dentro dela.
Sua invisibilidade no entanto não o invisibilizava. Não é verdade que não o veriam. Veriam e viam, sim, aquela casca reproduzindo com perfeição o externo dele. Tão perfeito que nem ao menos provocava suspeitas aumentando as pausas entre as palavras, demorando o olhar, ralentando o passo daquele falso corpo. Atrás da casca, porém, o cristal incandescia. Debaixo da terra, fogo-fátuo soterrado tão profundamente que a pele nem reluzia.
Alguma coisa que jamais teria, e tão consciente estava dessa para sempre ausência que, por paradoxal que pareça, era completo nesse estado de carência plena. Isso acontecia apenas quando dentro Dela, pois ao desembarcar, em vez de sorrir ou fazer coisas, freqüentemente limitava-se a chorar... Como uma outra espécie de felicidade, esse desembaraçar-se de uma também felicidade. Emerso, chafurdava em emoções: tinha desejos violentos, pequenas gulas, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos, tesões insaciáveis. Ouvia canções lamurientas, bebia para despertar fantasmas distraídos, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausto, então, afogava-se num sono por vezes sem sonhos, por vezes - quando o ensaio geral das emoções artificialmente provocadas (mas que um dia, em outro plano, aquele da terra onde, supunha, gostava de pisar, aconteceriam realmente) não era suficiente - povoado com répteis frios, a tentar enlaçá-lo com tentáculos pegajosos e verdes olhos de pupilas verticais. Não saberia dizer com certeza como nem quando aconteceu. Mas um dia - um certo dia, um dia qualquer, um dia banal - deu-se conta que. Não, realmente não saberia dizer ao menos do que dera-se conta. Mas foi assim: olhando-se ao espelho, pela manhã, percebeu o claro reflexo esverdeado. Está de volta, pensou. E no mesmo instante, tão imediatamente seguinte que confundiu-se com o anterior, cantava, novamente ele mesmo.
Foi um dia movimentado, aquele. Sua casca partia-se e refazia-se. Fumou demais, sem terminar nenhum cigarro, bebeu muitos cafés, deixando restos no fundo das xícaras. Exaltou-se, ausentou-se. No intervalo da ausência, distraía-se em chamá-la também, entre susto e fascínio, de A Grande Indiferença, ou A Grande Ausência, ou A Grande Partida, ou A Grande, ou A, ou. Na tentativa ou esperança, quem saberia, de conseguindo nomeá-la conseguir também controlá-la. Não conseguiu. Desimportou-se com aquilo. Tomado a intervalos pelo anônimo, atravessou a tarde, varou a noite, entrou madrugada adentro para encontrar a manhã seguinte, e outra tarde, e outra noite ainda, e nova madrugada, e assim por diante. Durante anos.
Até as têmporas ficarem grisalhas, até afundarem os sulcos em torno dos lábios. Houvesse uma pausa, teria pedido ajuda, embora não soubesse ao certo a quem nem como. Não houve. Mas porque as coisas são mesmo assim, talvez por certa magia, predestinações, sinais ou simplesmente acaso, quem saberá, ou ainda por ser natural que assim fosse, e menos que natural, inevitável, fatalidade, trágicos encanto.
"Não consegui. Do grande esforço através dos doze meses, doze signos, doze faces, só guardo essa certeza. Que tonta travessia. Tudo bem, descansa. Faz parte não conseguir. Como Sísifo, se queres mitologias. Queres ainda? Por favor, estou farto. Brilhos baratos, as jóias eram todas falsas. Está certo, mas não quiseram te fazer mal. O mal não existe reverso do bem. Tanto faz, só peço que me deixem. Vou ficar encostado na árvore até amanhecer. Olhos abertos, feito uma vela acesa. Se ela insistir, direi que não tenho piedade alguma. Que não compreendo, não aceito nem perdôo mais a loucura. Se ele vier, pedirei que fique. Serei bom para ele. Mentira, não pedirei nem direi nada a ninguém. É indivisível, aprendi. Talvez consiga dormir. Talvez consiga acordar amanhã finalmente livre de tudo isso. Terei apenas um corpo, poucos pensamentos todos pequenos."
quinta-feira, 29 de julho de 2010
"Me recordei rapidamente de todas as pessoas e coisas que perdi por ainda não estar preparada para elas, ou por ainda ter muita curiosidade de mundo e dificuldade em ser permanente... Recordei de amigos e parentes distantes, aqueles que eu sempre deixo pra depois porque moram muito longe ou acabaram se tornando pessoas muito diferentes de mim, sempre penso 'mês que vem faço contato com eles'. E se não tiver mês que vem?"
"E em um instante, tudo muda. Esquecemos o passado e vamos em direção ao desconhecido. Nosso futuro. Vamos para lugares distantes para tentar nos encontrar... Ou tentamos nos perder, explorando prazeres perto de casa. Os problemas começam quando nos recusamos a mudar. E voltamos aos velhos hábitos. Mas se segura-se muito no passado, o futuro pode nunca chegar..."
quarta-feira, 28 de julho de 2010
"Quero ser mulher. Não na sublime ilusão que dura o encontro espumante.
E não quero mais o que não posso ter. Assim estamos livres para sermos um. Só isso. Comuns são os casais. Nós não somos nada. O problema é que quero muitas coisas simples. Então pareço exigente. Não posso fazer nada.
Cuspo na cara de quem finge não me ver. E não quero mais me explicar.
Entender é trancar-se dentro da palavra. Quem não sabe, quem não sabe, quem não quer saber de nada... gruda a língua ao céu da boca, não escuta e finge que não vê. Entender é um outro nível da ignorância. Não é preciso nenhum livro para quem não precisa ler.
Vamos... Vamos logo subir essa escada que leva o amor ao último andar. Sobe pelo corpo o tremor do castelo que desmorona. Então vamos. Segura firme no corrimão. Respire fundo. Subir tão alto dá vertigem e olhar para trás deixaria-nos cegos. Os erros são medusas intransigentes. Arrancam as nossas lembranças boas e tatuam os desaforos e mágoas. Por isso marche. Sinta o meu perfume enquanto o tempo sopra esse bafo de mudança.
A quadrilha dos desafortunados só começa quando um poeta recita um adeus. No final, devo pedir perdão por tê-lo tocado. Pode partir. Lembre-se ou esqueça-se de mim. Coração quebrado tem cura. A paz de não precisar mais aguardar a perfeição que não existe. Quero somente amortecer os erros e mudar de idéia. Quem sabe o por quê do que?
O que você está falando, mulher?
Nada... Nada..."
"Mesmo que os veja chegando, nunca estará pronto para os grandes momentos. Ninguém pede para que sua vida mude. Mas ela muda. Então, o que somos? Desvalidos? Marionetes? Não. Os grandes momentos vão chegar, isso é inevitável. São as escolhas que você faz depois que determinam quem você realmente é."
"Não é fácil sair da zona de conforto. As pessoas vão acabar com você, vão dizer que nem devia ter tentado. Mas, escute isso: não há muita diferença em um estádio cheio de fãs e um bando de gente te xingando. Ambos estão apenas fazendo barulho. Como encarar isso é com você. Convença-se que estão torcendo por você. Se fizer isso, um dia eles irão."
segunda-feira, 26 de julho de 2010
"- Sabe a garota do copo de água?
- Sei.
- Se parece distante.
- Talvez seja porque está pensando em alguém.
- Em alguém do quadro?
- Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar, e sentiu que eram parecidos.
- Em outros termos, prefere imaginar uma relação com alguém ausente que criar laços com os que estão presentes.
- Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
- E ela? E a bagunça na vida dela? Quem vai arrumar?" (Le fabuleux destin d'Amélie Poulain)
"Na minha cabeça ressoavam destoadas vozes, cruzando umas por cima das outras, confusas, desesperadas. Não conseguia discernir a totalidade de nenhuma das linhas de raciocínio, atordoadas. Diariamente elas me chacoalhavam em vão.
Precisava conseguir chegar naquele lugar onde começava o silêncio, eu estava exausta de não conseguir mais escutar o que eu mesma queria. Encontrei esse sossego em um lugar lindamente distante e, desde então, não mais retrocedi meus passos. Não constatei nenhum motivo aparente exceto a falta de vontade."
Meus pés me levam a novos destinos...
"A gente sai de cena com as roupas rasgadas, bolsos vazios e a mente confusa, sem saber como fomos parar ali. Mas e se pudéssemos jogar todos os livros fora e carregar conosco apenas a página do agora? É tão comum a gente se apegar ao passado e viver numa réplica dele, na ilusão de que estamos andando pra frente... no entanto, se tivéssemos realmente sido felizes no processo, jamais teríamos mudado. Então a gente muda. Mas o problema é que a gente muda sentindo medo demais. A gente navega perto da costa, esquecendo-se de que poderia ser bom perder o horizonte, seguir a vontade da corrente e atracar na próxima ilha. Por mais que ela demore a surgir no infinito, ela é nova, e a gente chegou lá sem bússola."
"Existem tantas coisas que são ditas sem uma palavra. Existem tantas coisas que são ditas com olhares e gestos e sons. As pessoas ignoram a enorme complexidade dos próprios meios de comunicação. A repetição mecânica da palavra 'até' mostrava exatamente o que Trish estava pensando." (A Arte de Correr na Chuva)
domingo, 25 de julho de 2010
quarta-feira, 21 de julho de 2010
terça-feira, 20 de julho de 2010
"A vida é um quebra cabeças. Todas as peças se encaixam para criar quem somos, o que fazemos, como nos sentimos. Cada experiência nos transforma em quem eventualmente seremos. Comecei com uma página em branco. Talvez minhas memórias escondidas contem uma história diferente. Talvez eu tenha a chave para um mistério ainda maior que o meu passado. Estive tão ansioso para lembrar, para crescer e experimentar a vida. Mas em alguns momentos desejo voltar à página em branco." (Kyle Xy)
Assinar:
Postagens (Atom)